Avanço genético abre caminho para o retorno do dodô A Colossal Biosciences afirma ter superado um dos principais obstáculos no caminho para tentar ressuscitar o dodô, aquela ave forte, tranquila e destemida que habitava a Ilha Maurício até seu desaparecimento no século XVII. A sua abordagem é tão ousada quanto delicada: criar um número suficiente de indivíduos saudáveis para restaurar uma população capaz de sobreviver no seu habitat natural, evitando repetir os erros que levaram ao seu desaparecimento. O recente avanço concentra-se no cultivo prolongado de células embrionárias de pombo e na preparação de galinhas geneticamente modificadas para se tornarem portadoras dessas células. Se tudo correr conforme o planeado, as primeiras emissões poderão ocorrer dentro de cinco a sete anos.
Como o dodô pode voltar
O projeto é liderado pela investigadora Anna Kate, doutora em filosofia, cuja carreira na área de engenharia do genoma das aves se tornou referência em um campo historicamente atrasado em relação ao dos mamíferos. O processo começa com células sexuais primárias, precursoras dos óvulos e espermatozoides, que podem se reproduzir em laboratório por longos períodos e, em seguida, ser transplantadas para embriões de outras espécies.
A equipa usa o nicobar, o parente vivo mais próximo do dodô, como modelo genético. Em seguida, com a ajuda de edição genética de alta precisão, as características morfológicas — forma do corpo, tamanho da cabeça, proporções do bico — são corrigidas até recriar o que na biologia é conhecido como fenótipo, um conjunto visível de características influenciadas por genes e pelo ambiente.
Galinhas atuam como «mães substitutas». Elas não geram um embrião completo de dodo — o que é tecnicamente impossível devido à estrutura do ovo —, mas integram e transmitem células sexuais modificadas de pombo. Essa combinação de transferência de células sexuais e CRISPR contorna as limitações da clonagem de aves e abre um caminho totalmente novo para a recriação de linhagens extintas.

O que os novos dados trouxeram
A nova pesquisa traz algo fundamental: a receita exata para manter a divisão das células sexuais do pombo durante meses sem perda de identidade, uma tarefa que resistiu por décadas. A equipa ajustou fatores como insulina, IGF e EGF para estimular o crescimento sem forçar as células a amadurecerem prematuramente.
Um resultado notável é o papel do receptor de ácido retinóico, um interruptor molecular associado aos derivados da vitamina A. Ao bloquear esse interruptor, mas mantendo a vitamina disponível para outras funções, as células mantiveram a sua natureza embrionária e aumentaram as taxas de crescimento. Em doses baixas, a proteína de crescimento pleiotrofina intensificou ainda mais essa proliferação, atingindo um tempo de duplicação de cerca de 35 horas, o que é surpreendentemente rápido para culturas de aves.
Essas células, marcadas e rastreadas após a sua injeção nos embriões, migraram com sucesso para as gónadas de pombos e galinhas. Isso confirma que essa técnica não só funciona em teoria, mas também pode ser integrada em animais vivos de diferentes espécies, o que é um requisito necessário para qualquer programa de «desextinção».
Promessas, riscos e Maurício
A possibilidade de reintroduzir o dodô em Maurício em apenas alguns anos causou entusiasmo, mas também alguma preocupação. O arquipélago obteve sucesso na área de conservação da natureza, criando reservas naturais e programas de controlo de espécies invasoras, mas ainda enfrenta ameaças complexas: ratos, gatos, macacos e mudanças no uso da terra. O plano Colossal prevê a criação de zonas livres de predadores e a introdução gradual com monitorização ecológica constante, para que qualquer impacto negativo possa ser eliminado atempadamente.
O lado simbólico também é importante. O dodô tornou-se um símbolo mundial da extinção causada pelo homem. O seu regresso — se acontecer — não deve ser interpretado como uma «segunda oportunidade garantida» para outras espécies. Alguns especialistas alertam que a ideia de recriar animais extintos pode desviar a atenção da proteção de ecossistemas reais e vivos, que hoje enfrentam pressões muito mais graves.
O que é considerado dodô

Aqui surge uma discussão não técnica, mas filosófica. Até que ponto uma ave criada com base no genoma do dodo das Nicobar e editada com CRISPR pode ser considerada um dodo autêntico? As características visíveis podem ser imitadas, mas a arquitetura genética original — a interação completa entre centenas ou milhares de genes — não pode ser restaurada 100%.
Alguns investigadores aplaudem as conquistas, mas alertam sobre como as conclusões devem ser formuladas. Eles falam de «aves inspiradas no dronte», e não de «dronte», enfatizando a necessidade de transparência para não criar expectativas irrealistas.
Por que isso pode ajudar as aves que ainda existem
Além do apelo mediático do «renascimento» de uma espécie extinta, o verdadeiro valor dessa descoberta pode estar na sua aplicação a espécies ainda existentes que estão a desaparecer rapidamente. Até agora, não havia métodos confiáveis de preservação de células sexuais na ornitologia, o que limitava a criação de bancos de células e dificultava a restauração da diversidade genética quando as populações caíam abaixo do nível crítico.
Com esta técnica, seria possível preservar a diversidade genética dos pombos insulares, das aves florestais ou das espécies das ilhas do Pacífico, que estão a perder a sua diversidade devido à perda de habitat e ao aparecimento de predadores. Isso não substitui a proteção dos ecossistemas — e não pretende fazê-lo —, mas acrescenta uma ferramenta para situações em que a genética pode significar a diferença entre a sobrevivência e a extinção.

