22 objetos de ouro e um misterioso anel grego entre os itens de um conjunto funerário romano de valor inestimável, encontrado em «bustum»

Terreno sob futura construção em La Burgati-Ouest (Lamonzi-Saint-Martin, Dordogne, sudoeste da França) guardou durante séculos um segredo impressionante pela sua precisão. Durante as últimas escavações no âmbito de trabalhos arqueológicos preventivos numa área de oito mil metros quadrados, que revelaram uma sequência de povoamento desde o final do Neolítico até à Idade Média, foi descoberta uma estrutura que redefiniu completamente a importância histórica deste local. Trata-se de um bustum, um túmulo crematório in situ da época imperial, cuja riqueza e estado de conservação o tornam um achado de importância primordial para a compreensão dos rituais funerários e do povoamento romano na Aquitânia.

As expectativas iniciais da análise arqueológica, que previa achados do final do Neolítico e silos medievais, transformaram-se em surpresa quando, durante a limpeza de um desses silos, apareceu uma estrutura retangular perfeitamente delineada, com 2,20 por 1,05 metros. Os seus contornos, claramente delineados por uma parede de barro cozido, delimitavam um espaço ritual intacto. A primeira prova material foi um pequeno vaso de cerâmica selado, ligado a um frasco de vidro transparente e incolor, localizado num dos seus cantos. Uma investigação posterior, durante a qual foram encontrados restos de ossos queimados e uma moeda de bronze, confirmou a hipótese: tratava-se de um bustum.

A particularidade deste tipo de sepultura, que a distingue do ustrinum ou da pira funerária pública, reside no seu caráter individual e no facto de o corpo ser cremado no mesmo local que servia de sepultura definitiva. Após a exposição do falecido e a colocação das oferendas, o corpo era cremado na pira funerária; os seus ossos e acessórios funerários, provisões de viagem para a sua viagem ao mundo dos mortos, eram deixados no mesmo local e cobertos com terra, sem serem removidos. Esta circunstância torna o bustum em Lamonzi-Saint-Martin uma cápsula do tempo com uma autenticidade arqueológica excecional. Dada a magnitude da descoberta, foi mobilizada uma equipa especializada liderada pela antropóloga Anna Viero, com o objetivo de realizar escavações minuciosas para revelar cada um dos gestos que compunham o ritual funerário há quase dois mil anos.

O enchimento da estrutura, com apenas quinze centímetros de profundidade, consistia numa camada de carvão e cinzas contendo os restos mortais do corpo cremado e os presentes funerários, tudo coberto por lodo estéril. A metodologia utilizada foi exaustiva: foi instalada uma grelha com 20 centímetros de lado para recolher todo o sedimento de cada camada, que posteriormente seria peneirado em laboratório. Todos os objetos, por sua vez, foram documentados in situ através de fotogrametria para criar um modelo tridimensional que registou a sua posição exata. Este registo detalhado de 487 elementos, principalmente fragmentos ósseos queimados, permitirá, na fase de investigação, concluir sobre a posição do defunto na pira funerária e reconstruir a dinâmica do colapso da estrutura durante a cremação.

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O facto é que os presentes funerários encontrados são simplesmente luxuosos. Os primeiros objetos identificados, como um vaso de sigillata, provavelmente produzido nas oficinas de Montan (Tarn), ativas nos séculos I-II d.C., já indicavam uma cronologia elevada e um alto nível de aquisição. No entanto, foi precisamente a remoção gradual dos escombros que trouxe as surpresas mais significativas. Ao longo de uma das paredes, foi descoberto um longo objeto de ferro, difícil de identificar devido à corrosão, mas a sua forma permite supor que poderia ser um freio articulado para cavalos, que deve ser submetido a radiografia e restauração.

A concentração de riqueza é evidente na parte sul da construção, onde foram encontradas dezenas de moedas ligadas a pequenas placas de ouro. A identificação numismática preliminar classifica-as como sestercios e ases, moedas que estavam em circulação na época, e a sua datação coincide com a datação da cerâmica com selos. As placas de ouro provavelmente decoravam uma bolsa ou baú onde o dinheiro era guardado. Entre os ossos queimados, um conjunto de cristais multifacetados e romboides, dispostos em leque, delineia o fantasma de uma joia, cuja parte orgânica — couro ou algum outro material perecível — desapareceu. Mas são precisamente 22 objetos de ouro — folhas, fios e gotas — que constituem a maior parte do tesouro.

Entre eles, destacam-se três objetos de qualidade excepcional: uma pulseira composta por uma fita torcida que se prende num anel; provavelmente uma bula, um pingente em forma de bolha que era oferecido a adolescentes de famílias romanas ricas como símbolo de proteção; e um anel com uma ranhura. O último objeto, deformado pela alta temperatura do fogo e pela queda durante o desabamento da pira funerária, é talvez a descoberta mais misteriosa. No anel, no qual estava preso o intaglio, estão gravadas sete letras do alfabeto grego: Allallé. A pedra, do tamanho de um dedo mindinho e possivelmente de cristal de rocha, será submetida a uma análise epigráfica para determinar se se trata do nome do pai do falecido, o que levantaria a questão fascinante da presença de uma possível linhagem de origem grega nesta região de Perigord.

As escavações do busto estão concluídas, mas a investigação está apenas a começar. Um grupo multidisciplinar de especialistas será responsável pela análise de cada um dos elementos encontrados. Partindo da própria estrutura e disposição espacial dos objetos, para compreender os rituais funerários, a investigação será alargada para contextualizar este monumento no seu ambiente. O próximo passo será a busca pelo necrópole ao qual ele poderia pertencer, pelas habitações dos vivos e pelos territórios que eles ocupavam. O busto em Lamonzi-Saint-Martin é uma janela para o mundo das crenças, rituais e redes sociais complexas que moldaram a paisagem do Périgord durante o Império Romano.

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