O inovador belga do século XX propôs formas inéditas de organizar e consultar grandes volumes de dados. Ele impulsionou ideias que, décadas depois, influenciariam tecnologias centrais da informação Em 1934, Paul Otlet, um cientista belga apaixonado pelo conhecimento, imaginou um sistema capaz de conectar qualquer pessoa às informações do mundo. Sua visão surgiu em Bruxelas e respondia a uma preocupação comum: como acessar de forma simples e remota a enorme quantidade de dados que a humanidade produzia? Otlet buscou uma resposta, propondo soluções inovadoras que inspiraram desenvolvimentos tecnológicos posteriores.
Ao longo de sua vida, Otlet dedicou-se ao desafio de classificar, organizar e facilitar o acesso ao conhecimento. Suas ideias mostravam uma preocupação que hoje nos é familiar: a dificuldade de encontrar dados precisos entre enormes volumes de informação dispersa. Em 1895, juntamente com o advogado Henri La Fontaine, fundou o Instituto Internacional de Bibliografia, estabelecendo as bases para um sistema universal de classificação documental, muito antes da era digital.
De acordo com a Britannica, o ponto culminante do seu trabalho chegou com a criação do Mundaneum, um projeto ambicioso que reunia milhões de registos em fichas catalogadas sob a Classificação Decimal Universal (UDC). O objetivo era claro: disponibilizar a qualquer utilizador todas as informações relevantes, bem estruturadas e ao alcance de um simples pedido.

O Mundaneum, centro visionário de acesso ao conhecimento
Otlet sonhava com um grande centro de informação que pudesse servir pessoas de todo o mundo. O Mundaneum funcionava como um espaço onde conhecimentos, livros, artigos e registos eram armazenados e organizados sob critérios científicos. O belga propunha que, através da voz e de novas tecnologias como o telefone e a televisão incipiente, qualquer pessoa pudesse consultar informações sem sair de casa.
O serviço permitia aos utilizadores enviar perguntas por telégrafo e receber respostas personalizadas, com base nos materiais armazenados nos grandes arquivos do Mundaneum. No total, o centro chegou a administrar mais de 15 milhões de fichas classificadas, geridas por especialistas que mantinham o sistema atualizado com publicações e documentos provenientes de diferentes partes do mundo.
De acordo com o JSTOR Daily, Otlet também explorou o potencial da microfotografia para conservar grandes volumes de dados em espaços mais reduzidos. Este avanço permitiu melhorar a consulta e a proteção dos arquivos. Em 1934, ele descreveu em sua obra “Traité de documentation” o conceito de “biblioteca radiada” e “livro televisado”, onde a consulta remota e o acesso imediato não eram mais impossíveis, mas parte de um futuro possível.
O impacto de Otlet na Internet atual
As propostas de Otlet não se limitaram ao acesso passivo aos dados. Segundo detalhou a Britannica, ele também contemplou a interação entre utilizadores e a troca de ideias à distância. Ele imaginou uma rede de estações comunicadas por via elétrica e áudio, uma noção que antecipou as funções sociais e colaborativas da web atual. Ele propôs ligações conceptuais entre documentos, que permitiriam saber se o conteúdo de um reforçava ou contradizia o de outro. Segundo Alex Wright, essa abordagem pode ser considerada um antecedente precoce da Web Semântica.

O desenvolvimento técnico da época e conflitos como a Segunda Guerra Mundial frustraram o crescimento do Mundaneum. A ocupação nazista dispersou e destruiu parte de seus arquivos, embora uma pequena fração tenha sido salva e hoje seja preservada como patrimônio na cidade de Mons. O Mundaneum, transformado em museu, conserva milhares de fichas e parte do mobiliário original.
De acordo com especialistas como Boyd Rayward e Wendy Hall, o trabalho de Otlet marcou o rumo da organização global do conhecimento. A forma como ele concebeu a estrutura, a catalogação e o acesso aberto à informação reflete-se em projetos digitais contemporâneos, desde enciclopédias colaborativas até sistemas semânticos. Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web, reconhece que os fundamentos teóricos e metodológicos propostos por Otlet abriram caminho para a web atual.
O legado de Otlet persiste na busca por ferramentas que permitam organizar, filtrar e facilitar o acesso à informação. Suas ideias, nascidas muito antes da revolução digital, continuam a influenciar a forma como o mundo compartilha e consulta dados. Visitar o Mundaneum em Mons é um passeio pelo sonho de um cientista que, antecipando-se ao seu tempo, imaginou um mundo onde o conhecimento nunca estivesse fora do alcance de ninguém.

